O mundo ainda vivencia os impactos da pandemia e os ajustes no mercado de trabalho provocados pelas abruptas mudanças. Após quase dois anos, já é possível compreender melhor o cenário que estamos atravessando – mesmo em meio às constantes incertezas. Do ponto de vista organizacional, este novo momento abre uma janela de oportunidades para uma reestruturação profunda, responsável e atenta.
Embora seja essencial, este processo não será simples. Toda transformação é desafiadora e a que estamos vivendo é muito mais, pois falamos de mudanças que abarcam múltiplas dimensões: desde questões internas, como cultura e rearranjos de trabalho, até aspectos econômicos, sociais e ambientais, visto a relevância do ESG nos últimos tempos. Para dar conta dessa efervescência, empresas e líderes precisam aprender a navegar em um mar agitado, equilibrando a observação e a ação.
A partir da experiência que adquiri ao longo de muitos anos no mercado de trabalho, compartilho ondas que podem ser surfadas pelas organizações para que se encontrem e se alinhem às tendências que ganham força à medida que avançamos na transformação digital, na economia gig (economia compartilhada) e no novo papel das empresas.
A quarta revolução industrial apresenta novas possibilidades de viver e de trabalhar. Os algoritmos, os robôs e a inteligência artificial chegaram para transformar as interações humanas, as formas de consumo e de produção, e influenciam até mesmo o cenário político. A tecnologia rege a orquestra.
Da noite para o dia, a força de trabalho foi espalhada geograficamente, sendo reunida em salas virtuais para prosseguir com o trabalho que antes era feito, exclusivamente, presencialmente no escritório. Apesar das válidas ressalvas, o teletrabalho foi bem aceito e continuará sendo adotado, ao que tudo indica, sendo possível manter – ou até mesmo aumentar – a produtividade e oferecer mais flexibilidade às pessoas. Chegamos ao trabalho híbrido.
Esse formato de trabalho, traz consigo questões importantes de serem contempladas pelas empresas Afinal, não basta decretar “x dias na semana em casa, x dias no escritório”. A mudança envolve fundar uma outra mentalidade, que precisa ser coletiva e atingir todos os níveis e setores.
A primeira delas que destaco, é a restrição do trabalho remoto para alguns cargos e funções. Neste sentido, é extremamente necessário que sejam adotadas estratégias alternativas, como horário de entrada e saída flexíveis e jornada de trabalho semanal condensada, por exemplo. A segunda se refere aos aspectos contratuais, que devem ser cuidadosamente elaborados, em acordo com a legislação local, para proteger negócios de possíveis litígios e as pessoas, especialmente em termos de saúde e segurança.
Com o modelo híbrido, o espaço físico dos escritórios ganha um outro sentido. Deverá servir a momentos de integração, colaboração e criatividade. Para a gestão, toda essa dinâmica representa um desafio de desapegar do controle para fomentar a autonomia dos colaboradores. Gestores terão que abraçar novos compromissos, de cuidar e impulsionar, proativamente, suas equipes em diferentes níveis.
Não apenas a pandemia nos trouxe uma outra perspectiva sobre se manter saudável, como também o próprio ritmo frenético de produtividade e a invasão da vida profissional na vida pessoal, seja no home office ou pelo acesso muito mais fácil a e-mails e mensagens no smartphone, que nos permite rever limites e buscar soluções para o equilíbrio.
O excesso de informação, de demandas e a hiperconectividade já se mostraram um risco à saúde das pessoas. Portugal, por exemplo, já proíbe chefes de enviar mensagens aos colaboradores fora do horário de expediente. França e Espanha também introduzem leis que preservam o direito ao descanso e à desconexão. Para completar, este ano, o burnout ganhou uma CID (Classificação Internacional de Doenças) para chamar de seu: agora é reconhecido como doença ocupacional, levando as empresas a serem responsáveis judicialmente, se comprovado com laudo médico e avaliação do clima laboral.
Mais do que nunca, a saúde e o trabalho andam lado a lado. Munir a organização de recursos para zelar pela força de trabalho, além de estratégico, é um dos caminhos para superarmos um sintoma crônico da modernidade.
Mais um evento que reflete a transformação digital e aceleração do nosso tempo, é a chamada economia gig. A necessidade das empresas de rever processos para modos mais competitivos, somada ao impacto da tecnologia que permite o trabalho remoto, impulsionam a contratação de trabalhadores autônomos, que se “plugam” à organização para contribuir com determinado projeto, de acordo com as especialidades necessárias
Não à toa, já vemos 25% da colaboração vinda de fora, de acordo com estudo do MIT Sloan Review. Segundo os especialistas do ManpowerGroup, contratos de Declaração de Trabalho (SoW) são uma das maiores categorias de gastos de uma organização. Com este formato, as empresas podem incrementar a qualidade, reduzir custos, ter mais controle sobre as entregas e pautar o trabalho em resultados.
Isso também permite expandir as possibilidades de composição, já que o ecossistema de talentos pode ser formado por diferentes tipos de colaboração, desde permanentes até temporários, terceirizados, consultores e, também, máquinas.
Em tempo, não podemos deixar de ressaltar a problemática sobre o trabalho autônomo em termos de relações precarizadas. Em uma conduta séria, consciente e socialmente responsável, os empregadores devem estabelecer acordos que respeitem os interesses de todas as partes envolvidas, firmando parcerias dignas e sustentáveis, para as empresas e para o mundo.
A construção de um novo mundo do trabalho requer comprometimento, coletividade, inteligência e, claro, humanidade. Quanto mais a transformação organizacional for elaborada levando em conta seus entroncamentos com o mundo, seus avanços, desigualdades, e quanto mais for pensada por e para a pluralidade, mais rica, sólida e justa será para as pessoas e para os negócios.
Por Ana Cláudia Guimarães – diretora de operações no ManpowerGroup
Fonte: https://www.mundorh.com.br/a-constante-reestruturacao-do-mundo-do-trabalho/